31.3.10

O Fórum Europeu das Indústrias Culturais



Creativity by itself is nothing; it's no more to be applauded than being good-looking or having a sunny day. There must be distillation, form, expertise, meaning and a desire to communicate (Richard Eyre, nos seus diários sobre os anos passados à frente do National Theatre)

Acabo de regressar do Fórum Europeu das Indústrias Culturais, em Barcelona, organizado pela Espanha, país que ocupa a presidência rotativa da União Europeia. A minha experiência anterior neste tipo de reuniões resumia-se ao Fórum Cultural Europeu que teve lugar em Bruxelas em Setembro passado. Na altura era difícil não ficar intrigado com o ânimo triunfalista da Comissão Europeia procurando ‘enfiar-nos pelas goelas abaixo’ a bondade dos 3 pilares da agenda cultural Europeia. Isso acabou por resultar num ambiente um pouco artificial e excessivamente diversificado (ironia do destino, sendo a diversidade cultural um dos desses pilares estratégicos acima referidos). É de assinalar que o rácio entre “gente da cultura” e”gente do mundo empresarial” pela primeira vez foi mais equilibrado, a favor dos ‘empresários’. Este aspecto foi sendo relembrado ao longo dos 2 dias com bastante ânimo (o meu incluído). Logo numa das primeiras apresentações da manhã alguém descrevia esta reunião como um encontro de profissionais e empresários. Colocar ênfase neste aspecto (atenção, eu sei que são actividades com características muito especiais, ainda assim), e realizar o encontro na Câmara do Comércio local, um edifício com 700 anos que incluía uma antiga escola de artes e ofícios, não poderia ser mais apropriada.

Este encontro de Barcelona, que formalmente foi muito semelhante ao de Bruxelas, revelou-se bem mais interessante e na maior parte dos painéis conseguiu-se discutir assuntos muito concretos sobre as questões que se colocam ao sector. Não quer isto dizer que se soubesse do que se estava a falar. Quase ninguém sabe e os maiores peritos presentes (Andy Pratt do Kings’ College, por exemplo) eram os primeiros a afirmá-lo. A discussão oscilou entre o desvendar dos 5 eixos que estruturarão o Livro Verde para as Indústrias Culturais e Criativas na Europa, a desorientação total nas questões relacionadas com a propriedade intelectual e o conhecimento aprofundado de algumas áreas sub-sectoriais por parte de alguns dos presentes.

Esta reunião serviu para separar as águas: a retórica tradicional de Bruxelas, cheia de boas intenções, fundos estruturais e livros de várias cores, e o testemunho muito concreto dos agentes no terreno, com discursos muito desassombrados , bem conscientes da Europa, enquanto continente importador, e que tem de concentrar os seus esforços nos seus consumidores, prestar atenção às suas necessidades e encontrar formas de suprir as suas necessidades. Como alguém referia, 80% do cinema visto na Europa é importado, 80% dos videojogos jogados na Europa são importados, e 99% dos portais de busca e redes sociais são provenientes de fora da Europa (curiosamente, ou talvez não, Espanha, exporta mais produtos na indústria editorial do que importa). O sector tem características muito próprias, os seus profissionais, artistas, empresários mantêm-se ainda ‘abaixo do radar’ (os SOHOs, small offices, home offices, sigla nova para mim, sempre a aprender), pelo que é importante encontrar pontos de contacto com as políticas industriais generalistas (os códigos industriais e ocupacionais, o tratamento estatístico, formas de “detectar” os micro/nano negócios), e ao mesmo tempo encontrar forma de os libertar dos constrangimentos burocráticos que a economia formal contemporânea obriga.

25.3.10

o nariz



the story is very simple, a man wakes up one morning and finds that is nose is gone

.......

he finds to his horror that his nose refuses to speak to him

The £666.000 question




£600.000 foi a dimensão do buraco encontrado nas finanças da London Philharmonic Orchestra. Parece que o seu Director Geral e Financeiro viu-se na contingência de ter que pagar obras em sua casa e umas outras despesas pessoais e recorreu à reserva da entidade patronal. Claro que estes incidentes são um luxo das organizações que dispõem de independência para gerir as suas finanças (e neste caso parece que o próprio auditor externo, multinacional experimentada, 'deixou passar'). É terrível ter inveja das organizações culturais mal geridas, mas independentes, ou bem geridas mas que ainda assim não têm sucesso, enfim, de organizações que dispõem do seu futuro. Bom ou mau. Beneficiando ou pagando pelas suas opções certas ou erradas.

[Sleeveface, The Turning Point, Los Angeles Philarmonic Orchestra, 1977]

24.3.10

A Spark


A SPARK é uma empresa de consultoria cultural, relativamente recente, com base em Lisboa, mas com extensões nos EUA, Europa e América Latina, e que se propõe estimular o crescimento contínuo e sustentável das instituições de arte, através da Formação de Públicos, Fundraising e Branding emergentes e inovadoras. Palavras deles e eu acredito.


Declaração de interesses: são meus amigos.

22.3.10

Grateful Dead



É discutível a oportunidade de colocar o divórcio do Paul McCartney na capa da imprensa diária, como aconteceu há alguns anos. Não me refiro aos tablóides, mas aos jornais "sérios". Neste caso, tratava-se mais do que mera coscuvelhice. O senhor é um ícon e a elevação deste evento na sua vida à primeira página da imprensa é revelador do peso da cultura popular de um país (no sentido de pop culture, não folclore ou etno ciências) e ajuda a perceber um conjunto de coisas sobre o seu povo ou sobre as suas organizações. E é pena que não se dê mais importância à cultura popular na produção académica e científica, ou que esta seja objecto frequente de análise política, económica ou até satírica. Isto a propósito da influência da carreira dos Grateful Dead no mundo dos negócios e da gestão, e não só. Este artigo demonstra as capacidades de uma banda (com uma legião de fans doentes e doentios, principalmente nos Estados Unidos) na estruturação da sua estratégia de negócio, numa altura em que os principais teóricos do customer value ainda andavam a testar os primeiros passos, incluindo uma estrutura de governance próxima de uma normal empresa (incluindo CEO rotativo e conselho de administração), a criação de redes sociais entre os seus fans, entre várias outras inovações. Estamos a falar dos anos 60 e 70, e o seu propósito incansável de fazerem digressões quase de forma ininterrupta e, de uma certa forma, o menor ênfase colocado na produção de discos, é quase visionária numa altura em que a indústria musical sobrevive fundamentalmente de concertos.

19.3.10

Creative Capital



Vamos chamar-lhe filantropia assistida. Uma organização que faz mais do que distribuir canas. Esta ensina a pescar. CREATIVE CAPITAL

18.3.10

A maldição do Whitney




Um artigo de dimensão bíblica sobre a suposta maldição que paira sobre o Whitney Museum desde a sua fundação. O artigo já é de 99, mas os arquivos digitais têm destas coisas e podemos recuperar longas análises e histórias (por vezes o enredo é quase sul americano, mas não, trata-se mesmo do mundo sofisticado de uptown ny). Governance é tanta vezes isto, a vontade e a habilidadde de rubbing shoulders. Para quem tiver paciência e gosto, prometo boa e instrutiva leitura para o fim de semana.

Aproveitando o facto de estar a decorrer a Bienal, vale a pena espreitar o novo site, e as tentativas do museu de possiblitar ao visitante transatlântico explorar a colecção.

13.3.10

Arts Manifesto

O partido conservador inglês apresentou o seu Arts Manifesto em vésperas de poderem regressar ao poder. O tempo corre rápido hoje em dia, e o ar ainda mais, mas vésperas de eleições são sempre boas oportunidades para aferirmos o ar do tempo em termos de estratégias fazedoras de políticas.

A Direita costuma ser silenciosa nestas coisas - chamemos-lhe 'faltinha de jeito' - o que não deveria ter razão de ser. Não nos devemos esquecer que foi o gaullista Malraux o Pai do MC francês, farol que ainda hoje guia os "povos da cultura". Antes deste manifesto, apenas o Policy Exchange, o think tank que até há pouco tempo era o mais próximo de David Cameron, tinha apresentado um documento (Culture Vultures) que questionava as conquistas dos trabalhistas nos últimos 10 anos, anos supostamente áureos para as artes no Reino Unido. Este manifesto segue linhas de argumentação semelhantes, procurando afastar-se do utilitarismo das actividades culturais e artísticas (pobrezinhos, imigrantes, casas devolutas, áreas industriais, tudo seria curado miraculosamente pelo poder da criatividade; fenómeno que já podemos verificar por cá de forma mais ou menos clara) e recentrando a discussão na excelência da actividade artística.

O principal medo (e aqui temos de dar razão aos queixosos) é que a subvenção pública das artes termine ou seja ainda mais amputada. Jeremy Hunt, o equivalente inglês ao ministro da cultura da oposição garante-nos que, apesar de não saber o estado em que vai encontrar as finanças do ministério (caso lá chegue, agora em Maio), acredita no princípio do financiamento das artes.



O mais interessante continua a ser, no entanto, a insistência na diversificação dos mecanismos de autonomia e emancipação das organizações culturais, tuteladas ou não pelo Estado. Concretizando, procura promover a constituição ou o crescimento dos endownments, condicionando a maior ou menor subvenção tutelar a essa capacidade. Em Portugal, só as Fundações é que dispõem de endownments, ou pelo menos deveriam, sabendo nós que muitas das Fundações nascem subcapitalizadas, tendo como cartão de visita muitas vezes pouco mais do que património imobiliário. Nós por cá, continuamos ainda a discutir para quem revertem as receitas dos lápis e das canecas da loja do museu.

É igualmente estimulante ver também o alinhamento do 'manifesto para as artes' com as demais propostas sectoriais do eventual novo governo Conservador, alinhamento esse que se concretiza no sentido de devolução de autonomia e reponsabilidades às comunidades locais. Ainda assim, os senhores ainda não ganharam nada, pelo que é cedo para deitarmos foguetes, e sabemos também que a "devolução às comunidades" nem sempre significa um Estado menos onerado.


A cabeça, acima, é do Cícero,

Workshop de escrita de argumento . Michael Sandoval



Mais informações em Yellow Tail

[clickar em cima da imagem para melhor visualização]

4.3.10

ICA, e a saga continua




Continuação, aqui, da saga que o ICA está a atravessar. Este artigo está ancorado nas quatro questões fundamentais da vida de uma org cultural, a gestão financeira, a liderança (muito em voga, falaremos disto em breve) e a governance, e questão fundamental: para que serve a organização? É útil? A missão fundadora ainda faz sentido passados tantos anos? A perda de contacto com essa missão leva, quase sempre, à perda de identidade.

Veja-se no arquivo da Tate, aqui e organizado por décadas (ferramenta óptima), o papel importante que o ICA teve nas últimas décadas. Não é fácil ser vanguarda numa época em que este termo quase não tem aplicação, mas faz pena ver este sítio transformado em alvo de chacota e transformado em mero promotor indistinto de eventos vagamente contemporâneos. A imagem acima é um programa dos filmes de Kenneth Anger em 1955 (que passou pela ZDB, Serralves e Cinemateca no ano passado).

Agradecimentos à Maria V pelo alerta.

3.3.10



move it buddy, we've got an installation to installate

Montagem, na passada sexta feira, no Hermitage Museum de Amesterdão da exposição "Matisse to Malevich: Pioneers of Modern Art from the Hermitage"

2.3.10

Autorizado a falhar



A expressão inglesa allowed to fail (ver texto linkado no post anterior) não tem praticamente aplicação em Portugal. Não me refiro à dificuldade de tradução (autorizado a falhar?), mas ao facto das nossas organizações culturais, sob tutela do Estado, não estarem autorizadas, de facto, a falhar. Não por serem movidas por um desejo incontrolável de cumprir com as suas obrigações, assegurando assim uma vida longa e saudável, mas porque, na maior parte dos casos, raramente são 'deixadas cair'. Podem reduzir na programação, podem cortar em futuras produções, mas raramente vêem a sua viabilidade questionada (ou os seus quadros reduzidos). E assim prosseguem uma vida moribunda, desrespeitando as suas audiências e, em última análise, os contribuintes. Try better, fail better, bla bla bla....

A imagem é da Orquestra de Filadélfia. Haverá poucas orquestras nos Estados Unidos com tanta história como a de Filadélfia e esta corre o risco muito real de fechar. Para fazer face a essas dificuldades, os músicos estão dispostos a fazer vários tipos de cedências salariais. Ler, aqui, o que por lá se passa.

1.3.10

Des-institucionalização


Um excelente - e raro - artigo sobre a vida de uma organização cultural contemporânea e o papel dos centros culturais multidisciplinares no século 21. O ICA está a atravessar uma fase especialmente crítica e tem em curso diferentes iniciativas para encontrar uma solução. São várias as causas apontadas para o actual estado da instituição, desde gestão financeira ingénua a práticas de governance frágeis. É particulamente interessante ver os problemas que emergem das dinâmicas pessoais dentro de um board, sem dúvida um dos aspectos mais estimulantes da governance das organizações culturais (um tema que me é especialmente caro). O projecto do seu director prevê um programa de "des-institucionalização", prototyping a lightweight, responsive arts organization able to cope with more straitened and complicated times. É revelador também da tensão, não exclusiva do Reino Unido, entre a erosão da expertise artística e intelectual nas organizações e a crescente burocratização e tecnocratização das mesmas. Este texto questiona igualmente as responsabilidades das organizações perante as comunidades artísticas que deve, de acordo com a sua missão estatutária, representar. Enfim, este texto, só por si, merecia um blog para o poder dissecar calmamente. Pode ser encontrado aqui.

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