7.2.11

O sector cultural português: 2011





















Na passada 6ª feira fui convidado para intervir na reunião da Rede Informal de Programadores, no Centro Cultural Olga Cadaval, a convite da sua Directora Isabel Worm. Estas foram as notas que li:

Escrevi no passado mês de Dezembro, no meu blogue, que esta crise poderia constituir uma oportunidade única para reformularmos a forma de trabalhar o sector cultural português. Os desafios que se colocam são terríveis e passam em larga medida por um estrangulamento ainda maior do financiamento público à cultura. Nesse post debrucei-me em particular sobre a necessidade de novos modelos de organização e governo das nossas organizações culturais, nomeadamente a utilidade de partilhar a direcção destas com os privados, individuais ou institucionais. Acredito que muitos problemas, da captação de financiamento ao alargamento dos públicos, poderão ser aliviados com uma lógica organizacional mais partilhada e abrangente. Na sequência desse texto, alguns amigos perguntaram-me o que é que eu quero de facto para o sector cultural português. O que é que faria? Ora aí está uma excelente pergunta que me tem obrigado a pensar de uma forma mais abrangente e para a qual não tenho, naturalmente, resposta adequada. Ao mesmo tempo surgiu a oportunidade de vir a este encontro falar um pouco sobre estas questões e fiz um esforço para organizar algumas ideias soltas que tinha sobre o sector. Nunca foi objectivo do blog escrever sobre políticas culturais (aliás não escrever sobre isso era um objectivo em si mesmo), mas apenas sobre organizações culturais, sobre a sua natureza, gestão, programação e todos os aspectos que a constituem. Não sei o suficiente sobre políticas culturais e na realidade não tenho grande interesse nesse assunto hoje em dia. Ainda assim, vou tentar apontar alguns aspectos que me parecem cruciais para a construção de um sector cultural diferente, no contexto destas crise, já que acabam por tocar o meu dia a dia enquanto produtor cultural. Os pontos que apresentarei de seguida são breves reflexões, nuns casos pequenas provocações e contribuições para aquilo que poderá ser corrigido e que, espero, sirvam para despoletar a discussão desta tarde.


1. Mais do que qualquer outro sector de actividade, há uma dependência e uma expectativa – não rigorosamente financeira – dos agentes culturais perante o Estado, seja este o governo ou o poder local. O sector cultural é um sector que não se emancipou ainda e que parece não ser ainda responsável pelos seus actos. Esta dependência tem explicações antigas, provavelmente explicáveis pela primeira vaga de tentativas de políticas culturais nos anos a seguir ao 25 de Abril. Ao contrário dos impulsos criadores que explicam o aparecimento do Arts Council e do Ministério da Cultura francês imediatamente a seguir à 2ª Grande Guerra, que compreendiam a importância da cultura na vida da sociedade e de a levar ao maior número de pessoas, sem condescender, os nossos primeiros esforços tinham precisamente como premissa essa subalternização das massas analfabetas. Este paternalismo, e a sobrecarga ideológica inerente dos primeiros anos de democracia, é o pecado original que enfermou todo o sector cultural desde 74 e do qual só agora se parece começar a libertar.

2. De igual forma, só agora, no final da primeira década do século XXI, a população portuguesa parece estar a estabelecer uma relação normalizada com a oferta cultural. Se Lisboa e o Porto (mais Lisboa do que o Porto) já têm uma corrente de propostas mais ou menos estabilizadas há pelo menos 20 anos, com a correspondente criação de hábitos de consumo cosmopolita, o resto do país só agora começa a habituar-se ao facto de que o consumo cultural faz parte de uma vivência mais rica e que essa oferta contribui para a sua qualidade de vida e das suas famílias e para que as suas cidades se tornem mais atractivas.

3. Acredito que o Estado tem um papel crucial a desempenhar no sector cultural, mas não o deve fazer sozinho. Por outro lado, não sou ingénuo ao ponto de achar que o sector poderia ser salvo apenas pelo sector privado. Afinal estamos em Portugal e é fundamental aceitar que há muito pouco dinheiro disponível, tanto no sector público como no sector privado. Temos poucas empresas com muito dinheiro, temos poucos muito ricos e o nosso Estado é pobre. Apesar de eu insistir recorrentemente na dependência excessiva do Estado (financeira mas não só) não me parece que me esteja a contradizer quando digo que o orçamento do Ministério da Cultura em Portugal é patético. Se fosse dobrado continuaria a ser uma verba ridícula. É um valor que serve para pouco mais do que pagar vencimentos; embora tema que, se o orçamento fosse o dobro, a percentagem destinada a vencimentos fosse semelhante. Para esta questão não tenho mesmo solução. Não sei como se resolve a falta de dinheiro num país pobre e falido como o nosso, e resta-nos o consolo de saber que não foi o sector cultural que levou o país à falência.

4. O sector cultural atingiu um grau de especialização e complexidade que exige dirigentes políticos, responsáveis das organizações culturais, quadros técnicos, artistas, altamente preparados para as funções que desempenham. No entanto, por alguma estranha razão, e apesar das coisas estarem a mudar lentamente, este sector ainda é percepcionado como uma área de actividade sem grande ciência. Esta situação começa normalmente pelo topo, nomeadamente pelo Ministro da Cultura. É curioso verificar que no sector da Saúde ou das Finanças procuram-se os melhores, os mais preparados (técnica e politicamente; e não estou a ser sarcástico), mas no sector cultural, um percurso artístico ou a reputação de pessoa culta parece ser suficiente. Os principais temas e questões actuais do sector cultural são francamente complexos: a rapidíssima mutação dos modelos de negócio, a transformação das cadeias de valor que regem o sector, ou, mais importante, a capacidade de interpretar o papel da cultura numa sociedade em crise, mas também com mais disponibilidade e preparação do que nunca para a oferta e o consumo cultural. A compreensão destas questões colocam-se a todos os níveis, do topo do Ministério da Cultura às equipas técnicas de um Museu. Julgo que na formação de quadros especializados no sector cultural reside a solução para várias questões que nos preocupam e sem dúvida que há muito a fazer.

5. Intimamente ligado ao ponto anterior está uma deficiente percepção do papel que as profissões artísticas e de apoio à actividade artística auferem. Esta dignidade terá de começar, naturalmente, por um regime de protecção social digno do nome, um regime que contemple todos os direitos e deveres dos profissionais do sector, contribuições fiscais justas, protecção social continuada e equiparada aos demais profissionais, mas que prevejam as vicissitudes destas profissões, nomeadamente o carácter intermitente das actividades. Neste ponto deverão cair ainda os temas relacionados com a mobilidade dos artistas e demais profissionais do sector dentro da Europa e de fora da Europa para dentro.

6. Gostaria, por fim, de falar ainda sobre as questões do governo das organizações culturais. No dito post escrito referi que valia a pena atentar ao modelo preconizado pela Fundação de Serralves e pela Casa da Música. Não me refiro especificamente ao modelo legal porque optaram (neste caso, pelo modelo Fundação), mas sim à estrutura organizacional posta em prática. No fundo, o que estas duas organizações propõem é um modelo com uma diversidade de órgãos sociais, executivos e não executivos, que, em conjunto, se responsabilizam pela prossecução da sua missão. Transpondo, com as devidas adaptações para as demais organizações culturais portuguesas, julgo que seria benéfico e útil enriquecer os órgãos sociais das nossas organizações com um conjunto de individualidades ou representantes de empresas ou instituições, que podem ser provenientes de qualquer quadrante da sociedade, um intelectual, amigos da associação com uma ocupação profissional totalmente não artística, empresários, enfim, um conjunto de pessoas que com a sua formação, experiência de vida, carteira, podem contribuir para a Organização em questão. Por estas razões citadas, estes elementos teriam as seguintes funções:

- SUPERVISÃO (da actividade da organização e do seu braço executivo);
- FISCALIZAÇÃO (financeira e de gestão);
- FUNDRAISING (contribuindo do seu próprio bolso - enquanto filantropo, mecenas individual ou institucional, caso esteja nessa função como representante de uma qualquer empresa ou instituição -, ou contribuindo com o seu empenho na angariação de outras fontes de financiamento;
- ACONSELHAMENTO

É óbvio que há vários senãos:
- uma total ausência no nosso país de uma cultura desta natureza. Estranheza, falta de formação, incompreensão das responsabilidades de cada membro e como se deve harmonizar a relação entre o Executivo e dos órgãos não executivos;
- Para além disso, esta solução não resolve automaticamente a questão do dinheiro: em relação a isto não tenho ilusões. Estamos em Portugal e há pouco dinheiro; isto também nos leva à questão do mecenato. Li na semana passada uma entrevista com um banqueiro americano a viver em Inglaterra há muitos anos e que é conhecido pela sua actividade filantrópica em vários domínios e pela sua actividade no sector sem fins lucrativos. É membro de vários Boards/Conselhos e diz a certa altura uma coisa muito interessante: o facto de alguém ter muito dinheiro não significa minimamente que seja um grande dador/financiador. Aliás está provado que quem tem menos dá mais, proporcionalmente do que quem tem muito. O que ele diz é que a única forma de conseguir que uma empresa/um mecenas/ filantropo se envolva com uma organização é procurando os laços afectivos entre essa pessoa e a organização, ou a missão/área em que a organização opera. Não tenhamos dúvidas, estamos no domínio do individual e subjectivo: o que está em cima da mesa, no caso do mecenato, filantropia, envolvimento com as organizações culturais é o prestígio pessoal, o reconhecimento, altruísmo puro, vaidade, a convivência com artistas, a convivência com pares (vide Fundação de Serralves), mil e uma razões e que poucas vezes estão relacionadas com benefícios fiscais apenas.

Nenhum destes pontos enumerados é concretizável a curto prazo. Servem tão-somente como objectivos pelos quais se devem lutar. Sou muito realista em relação às condições de trabalho em Portugal. A Cultura tem um papel importante a desempenhar, significativo, mas não acredito no peso de transformação da sociedade que lhe querem atribuir, nem acredito seguramente na carga ideológica que lhe colam. Resumidamente, acho que deveríamos pensar em formas diferentes de nos organizar, das nossas organizações (passe a redundância) se organizarem. Acho que devemos ser radicais na forma de chegarmos aos nossos públicos e parceiros civis. Esse processo não se vai fazer sem muita dor. Os tempos que se avizinham vão ser terríveis e parece-me evidente que limitar as reivindicações do sector ao financiamento público é inútil, senão mesmo contra producente. Parece-me por isso admirável a carta de boas práticas que irão apresentar ainda esta tarde. Vamos ter oportunidade de a discutir mais tarde, julgo, mas agradou-me o facto de todas as dimensões da actividade cultural estarem abrangidas. É fundamental uma visão multidimensional do sector.

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